A Igreja Católica<br>e as políticas da pobreza em Portugal

Jorge Messias
O estendal das vergonhas da política portuguesa vai continuando a exibir-se sem qualquer pudor. É agora a vez de um PSD esfarrapado ser transformado em vedeta pelo toque mágico da varinha de condão da propaganda do Estado socialista que o continua a declarar, no entanto, como partido de oposição. Tudo isto parece contraditório mas não é. O caciquismo, as guerras dos barões, distraem a opinião pública do essencial que são as questões da vida, do desemprego, da corrupção pública e privada, do trabalho, da educação, etc., etc. Tudo isto, enquanto os interesses privados e públicos de governantes e privilegiados, leigos e eclesiásticos, se identificam e confundem uns com os outros.
Em todo este pantanal a igreja portuguesa tem tido um desempenho lamentável que põe de rastos a sua auto-proclamada intenção de «denunciar e anunciar». Se denunciasse a mentira e a corrupção arriscaria a unidade dos seus próprios interesses, estreitamente ligados ao mundo financeiro. Se anunciasse a justiça social como teoria e prática comum e obrigatória da igreja, do povo e das instituições religiosas, fragilizaria as suas alianças ocultas – mas que se vão evidenciando - com o Poder e com as esferas dos que dominam o mundo dos trabalhadores, dos pobres e dos excluídos. As hierarquias católicas são muito experientes nestas andanças e, assim, preferem agir pelo seguro. Calam-se e escondem-se.

O báculo e o país real

Num país como o nosso, cada vez mais na cauda da Europa e cada vez menos desenvolvido, a «vedeta de serviço» é, de momento, o Ministério do Trabalho, o seu ministro e o monstruoso Código do Trabalho cozinhado a fogo vivo.
Recorde-se que idênticas posições de destaque negativo já ocupadas pelos responsáveis das pastas da Saúde, da Educação, das Finanças, da Cultura, em suma, por uma roda viva de ministros e de ministérios. Sobem à cena, mostram-se ao público e voltam a desaparecer. Os problemas mantêm-se e agravam-se. O país e as instituições do Estado ficam cada vez mais pobres e desautorizados.
No entanto, um certo clima de debate público que se gerou em torno da proposta «dura» de Vieira da Silva e da revisão laboral que ela implica, permitiu saber-se que
o mundo do trabalho em Portugal se pode desenhar deste modo : cerca de 5 milhões de cidadãos são oficialmente considerado como tendo emprego; mas o total referido oscila muito em termos de direitos e 3 milhões terão emprego certo. 800 mil trabalhadores serão eventuais e a termo, com estatuto de «recibos verdes». Na área do restante milhão de postos de trabalho reina a maior anarquia e existe uma massa amorfa de «trabalhadores por conta própria», uma classificação elástica que ninguém sabe ao certo o que é e a que corresponde. Estes números, naturalmente, são altamente oscilantes e têm de ser considerados a partir do crescimento constante das declarações de falência, das fusões que arrastam supressão de postos de trabalho e, a curto prazo, do conceito de «inadequação», um poço sem fundo que os socialistas pretendem introduzir nas relações de trabalho. É sobre este universo que o governo socialista pretende legislar, sem escrúpulos políticos e com o maior desprezo pelas famílias e pelos trabalhadores.
A Igreja já teve muitas oportunidades para denunciar estas situações. Mas os bispos católicos preferem fingir que não percebem e que apenas lhes interessa a vida eterna.
Aguardam que os frutos da miséria amadureçam e acabem por cair-lhes no colo os monopólios da Saúde, da Educação, do Trabalho, da Cultura, da Segurança Social. São contas de milhões e o regresso ao Eldorado eclesiástico. A técnica adoptada é evidente. “ O silêncio é oiro “. Há miséria ? A culpa é dos pobres. Na pobreza, entra-se e sai-se. «Metade dos pobres foi capaz de mudar a sua condição social», declara com o seu «encantador» optimismo o «ingénuo» padre Maia. E um outro sacerdote social, o padre Jardim Moreira, confirma: «A pobreza persistente é só uma parte, senão estávamos perdidos. Há sempre quem, por intermédio da educação, da formação, do emprego, consiga «dar a volta»; como há sempre quem «entre no desespero», caia na situação de desemprego, de doença, de velhice...». Tudo é rotina e, se culpas existem, elas recaem exclusivamente nas atitudes erradas assumidas pelos pobres.
Note-se que estes dois homens não são uns cidadãos quaisquer : o padre Jardim Moreira é presidente da Rede Europeia Antipobreza e o padre José Maia dirige a rica Fundação católica «Filos» e foi, até há pouco tempo, líder incontestado da Confederação das Instituições Particulares de Solidariedade Social. Declaram ambos defender a tese de que o crescimento do desemprego se deve, essencialmente, à criação estatutária do Rendimento Mínimo Garantido. Em resumo : se há desemprego em Portugal, ele deve-se fundamentalmente à preguiça inata dos trabalhadores e aos subsídios com fumos de socialismo.
Esta é na realidade a filosofia que a Igreja Católica adopta ao confrontar-se com o degradante panorama social português...


Mais artigos de: Argumentos

Wellcome caridade

Foi um dia de grande movimento, e a televisão mostrou. À porta das grandes superfícies comerciais, e porventura não só, mulheres e homens de boa vontade, jovens ou não, recolheram dádivas que outros, muitos mais, lhes entregavam para posterior distribuição entre os carenciados. Não se tratava de dinheiro, por muito que...

Das fibras ópticas em vez do cobre

Quando se fala que as fibras ópticas vão substituir os pares de cobre dos velhos acessos do telefone fixo, os tecnófilos ficam logo a salivar – desculpem a instintiva metáfora, mesmo achando eu que os cães são dignos membros do reino animal, desculpe o leitor se sentir que esta é uma indignidade de fazer protestar: «mas...